USO IRREGULAR DE EQUIPAMENTO DE RADIOCOMUNICAÇÃO
OS TIPOS DE EQUIPAMENTOS E AS
EXIGÊNCIAS LEGAIS
A exceção daqueles radinhos conhecidos como “TALKABOUTS”, cuja potência
de transmissão vão de 0,5 Watt / 1,5 Watt de potência Máxima, os demais Equipamentos de Radiocomunicação que
operam em LF, MF, HF, VHF, UHF e SHF, nas faixas comercial e de radioamador,
devem possuir Homologação junto a ANATEL, e seus operadores devem possuir
Certificados de Operador Emitido através de Exame de Capacitação pela ANATEL –
Agência Brasileira de Telecomunicações.
É comum ver aqueles seguranças
de Lojas usando aqueles Rádios HT (Hand Talks) em ruas e shopping centers, o
que poucos sabem, é que eles estão operando de forma irregular, salvo se a empresa
de Segurança Privada que contrata os Agentes de Segurança e Vigilantes tenha
autorização de uso comercial junto a ANATEL.
Alguns fabricantes, como a
Motorola, ao fornecer equipamentos para as empresas, já providencia o
licenciamento de uso, assim, todos os agentes de segurança daquela empresa
podem operar aqueles rádios em frequência fechada e de curto alcance.
Entretanto, a grande maioria,
opera de forma irregular, o que pode acarretar sérios problemas para o operador
e para a empresa se a ANATEL ou a Polícia Federal resolver fiscalizar, aliás,
até mesmo a Polícia Militar pode questionar um desses “Seguranças Privados” de
lojas com esses rádios que não sejam do modelo TALKABOUT (vejam que TalkAbout é
marca da Motorola, porém os equipamentos de curso alcance e baixa potência
ficaram conhecidos por esse nome).
Temos também os Equipamentos de
uso permitido para a Faixa do Cidadão em 11 metros (os famosos PX), os quais
também exigem homologação da ANATEL, e seus operadores precisam ter Cerfificado
de Operador de Radio do Cidadão (PX) com prefixo iniciado pelaa Letras PX , p
número correspondente à Região onde reside o operador e as Ltras do Indicativo.
No caso dos PX não é necessário exame e nem o pagamento da Taxa de Fiscalização
das Telecomunicações – FISTEL, exigida para o uso de frequências comerciais e
radioamadores.
A LEGISLAÇÃO DAS TELECOMUNCAÇÕES
NO BRASIL
A Lei n. 9.472/97 dispõe sobre a organização dos serviços de
telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais, devendo ser observada para que, quem realizar
atividade de telecomunicação, não pratique infração penal.
Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade,
meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos,
caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza
(art. 60, § 1º, da Lei n. 9.472/97).
Em se tratando de radiodifusão, a Lei n. 9.472/97 define como atividade
clandestina toda aquela desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou
autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite
(art. 184, parágrafo único).
Na atividade policial não é incomum que infratores possuam um Rádio
Hand-Talk (HT), um rádio transmissor, para ouvir a frequência da rede rádio da
Polícia Militar.
Nesses casos os agentes envolvidos podem praticar o crime do art. 70 da
Lei n. 4.117/62 ou o art. 183 da Lei n. 9.472/97.
Lei n. 4.117/62. |
Lei n. 9.472/97 |
Art. 70. Constitui crime
punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade
se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de
telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos
regulamentos. (Substituído
pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) Parágrafo único. Precedendo
ao processo penal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente
procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho
ilegal. (Substituído
pelo Decreto-lei nº 236, de 28.2.1967) |
Art. 183. Desenvolver
clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena – detenção de dois a
quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$
10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem,
direta ou indiretamente, concorrer para o crime. |
Perceba que o art. 70 da
Lei n. 4.117/62 abrange a “instalação” ou “utilização” de
telecomunicação de forma irregular, ao passo que o art. 183 da Lei n. 9.472/97
trata de “desenvolver clandestinamente” atividades de telecomunicação.
Instalar é fazer funcionar, inserir, colocar, montar. Utilizar é fazer
uso, usar.
Desenvolver é prosseguir, originar, reproduzir. Clandestino é tudo
aquilo que feito às escondias, de forma oculta.
Note que para o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 é suficiente que
haja a mera instalação ou utilização, o que permite afirmar que basta a prática
de uma conduta para a configuração do crime, ao passo que o art. 183 da Lei n.
9.472/97 exige que haja um desenvolvimento clandestino, de onde se extrai a
necessidade de haver uma permanência, um prosseguimento, isto é, uma
habitualidade, como um uso constante.
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “A diferença entre a conduta
tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do
art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta.
Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo
habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não o
art. 70 da Lei nº 4.117/62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem
habitualidade a atividade ilícita em questão.”[1]
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, possui entendimento no
sentido de que a distinção entre os crimes previstos nos artigos 183 da Lei n.
9.472/1999 e 70 da Lei n. 4.117/1962 é a habitualidade. Para a configuração do
primeiro exige-se a prática rotineira da conduta de desenvolver atividade de
telecomunicação clandestina.[2]
Ambos os crimes são de perigo abstrato, portanto, há a ocorrência da
infração penal, independentemente, da demonstração de um perigo concreto, pois
o simples descumprimento da lei presume a geração de um perigo.
São crimes formais, pois em que pese ser possível a ocorrência de
resultado naturalístico, como a interferência nos meios de comunicação, este
não é exigido.
Os tipos penais tutelam a segurança dos meios de comunicação, uma vez
que a instalação, o uso e o desenvolvimento clandestino podem acarretar uma
série de consequências, como interferir, atrapalhar e gerar uma série de
problemas de comunicação entre serviços públicos de emergência, como as
viaturas policiais e de regaste do Corpo de Bombeiros Militar, ambulâncias, bem
como a regularidade das comunicações decorrentes de navegação aérea e marítima.
Nota-se não haver dúvidas que o uso irregular é crime, razão pela qual
o policial ao se deparar com um agente utilizando-se de rádio que capte a
frequência da Polícia Militar ou não, desde que sem autorização da ANATEL,
deverá ser preso e conduzido à Delegacia da Polícia Federal. A condução deve se
dar para a Delegacia da Polícia Federal por se tratar de crime em detrimento de
serviço e por ser de interesse da União (art. 144, § 1º, I, da CF), já que o órgão
regulador responsável por autorizar e fiscalizar o uso de rádio no Brasil é a
Agência Nacional de Telecomunicação – ANATEL -, que é autarquia federal, mais
especificamente, uma agência reguladora.
A seguir, cito julgados importantes e que podem nortear a atuação
policial.
1.
Para a caracterização do delito do art. 70, da
Lei n.º 4.117/62 basta que o equipamento transceptor esteja apto a funcionar,
sendo desnecessária a comprovação do uso efetivo.[3]
2.
A “instalação” e “utilização” de rádio
transmissor em veículo configura o tipo do art. 70 da Lei n. 4.117/62 e não o
do art. 183 da Lei 9.427/97.[4]
3.
A utilização de aparelho radiocomunicador na
faixa de frequência da Polícia Militar, sem licença da ANATEL, configura o
crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.427/97, ainda que o equipamento opere em
baixa frequência, sendo inaplicável o princípio da insignificância.[5]
4.
O delito tipificado pelo art. 183 da Lei
9.472/1997 tem natureza formal, o que significa que se consuma com a prática da
conduta descrita no tipo penal, qual seja, o desenvolvimento de atividade de
telecomunicação sem autorização legal, independente da faixa de potência
utilizada ou da produção de resultado danoso.[6]
5.
A mera escuta radiofônica de conversação na
frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime de violação de
comunicação radioelétrica (art. 151, § 1º, II, do CP).[7]
Especificamente quanto à decisão de que “A mera escuta radiofônica de
conversação na frequência restrita da Brigada Militar não caracteriza o crime
de violação de comunicação radioelétrica” é importante tecer algumas
observações.
O crime de violação de comunicação radiográfica (art. 151, § 1º, II, do
CP) possui a seguinte redação:
Art. 151 – Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência
fechada, dirigida a outrem:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre:
Violação de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica
II – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza
abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a
terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas;
O tipo penal subdivide-se em duas partes. Especificamente, ao que
interessa ao presente texto, que é a análise da captação de comunicação
radioelétrica, tem-se a seguinte redação: “quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação
telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro”.
(destaquei)
A doutrina sustenta que essa parte se aplica somente a pessoas que não
exerçam função pública relacionada à transmissão da mensagem, pois, neste caso,
pratica o crime do art. 56, § 1º, da Lei n. 4.117/62. Portanto, quando o art.
151, § 1º, II, do Código Penal diz haver crime por parte de quem indevidamente
divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou
radioelétrica dirigida a terceiro, o “quem” se refere a pessoas comuns, que não
seja servidor público que trabalhe com transmissão da mensagem.
Código Penal |
Lei n. 4.117/62 |
Art. 151 – Devassar
indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem: Pena
– detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º – Na mesma pena incorre: Violação
de comunicação telegráfica, radioelétrica ou telefônica II – quem
indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação
telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação
telefônica entre outras pessoas; |
Art. 56. Pratica crime de
violação de telecomunicação quem, transgredindo lei ou regulamento, exiba
autógrafo ou qualquer documento do arquivo, divulgue ou comunique, informe ou
capte, transmita a outrem ou utilize o conteúdo, resumo, significado,
interpretação, indicação ou efeito de qualquer comunicação dirigida a terceiro. §
1º Pratica, também, crime de violação de telecomunicações quem ilegalmente
receber, divulgar ou utilizar, telecomunicação interceptada. |
Comunicação telegráfica consiste
no envio e recebimento de informações por intermédio da telegrafia.
Telegrafia, consoante art. 4º da Lei n. 4.117/62, é o processo de
telecomunicação destinado à transmissão de escritos, pelo uso de um código de
sinais.
Comunicação radioelétrica se refere ao envio e
recebimento de mensagens por intermédio de ondas eletromagnéticas, o que
dispensa o uso de fios.
O tipo penal exige que o agente divulgue, transmita a outrem ou utilize
abusivamente a comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigia a terceiro.
Divulgar consiste em dar publicidade, tornar público. Transmitir é
repassar, enviar para outra pessoa. Utilizar quer dizer usar, fazer uso.
A divulgação, a transmissão ou a utilização devem ser feitas de forma
abusiva, ou seja, em desrespeito às normas que tratam de telecomunicação. De
toda forma, observe que o legislador exige que o uso seja indevido e utilizou
também que o uso deve ser abusivo. Ora, se o uso é indevido, necessariamente,
será abusivo, razão pela qual essa previsão é desnecessária.
Feitas essas ponderações fica mais fácil demonstrar o raciocínio
jurídico da decisão judicial que afirmou que a mera escuta radiofônica de
conversação na frequência restrita da Polícia Militar não caracteriza o crime
de violação de comunicação radioelétrica.
Observe que o art. 151, § 1º, II, do Código Penal em nenhum momento
tipifica a conduta de ouvir ou tomar conhecimento, indevidamente, de conteúdo
falado na frequência de rádio que seja fechada, como a da Polícia Militar que,
em tese, deve ser restrita somente para os militares que estejam trabalhando,
por questões estratégicas e de segurança[8].
O tipo penal tipifica como crime somente a conduta de divulgar,
transmitir ou utilizar indevidamente a comunicação radioelétrica.
A utilização referenciada no tipo penal para caracterizar o crime pode
se basear no uso indevido das informações captadas, seja para fins de praticar
crimes, de conseguir se esconder da polícia ou qualquer finalidade indevida
(não prevista, não autorizada ou vedada por lei), ainda que não haja nenhuma
divulgação ou repasse das informações para terceiros, pois essa divulgação ou
repasse não são exigidos pelo tipo penal que permite a prática do crime somente
com a utilização indevida, abusiva.
Portanto, receber informações da rede rádio da frequência da Polícia
Militar e utilizar essas informações, indevidamente, caracteriza o crime do
art. 151, § 1º, II, do Código Penal, o que ocorre, comumente, quando criminosos
escutam a rede rádio da Polícia Militar.
Por outro lado, caso os envolvidos ouçam a rede rádio da Polícia
Militar, simplesmente, por ouvir, sem o uso indevido das informações, não há
crime.
Diante desse panorama, no caso julgado pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul[9],
ficou demonstrado nos autos que os réus somente estavam ouvindo a rede rádio na
frequência da Polícia Militar (Brigada Militar), sem prova de que fizeram o uso
indevido das informações obtidas ou que divulgaram ou transmitiram a terceiros.
Como a conduta de somente ouvir a rede rádio da Polícia Militar, sem
praticar mais nenhum ato, é atípica (não existe previsão legal de que seja
crime), os réus foram absolvidos.
Portanto, nessas situações, os agentes devem ser presos por praticarem
o crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62 ou do art. 183 da Lei n. 9.472/97, sendo
mais factível prender pelo art. 70 da Lei n. 4.117/62 e conduzir à Polícia
Federal, uma vez que este crime não exige a habitualidade, que deve ser comprovada
para efetuar a prisão e, geralmente, a prova decorre de uma investigação
realizada pela autoridade de polícia judiciária. No caso do art. 70 da Lei n.
4.117/62 é suficiente a mera instalação ou utilização de telecomunicações sem a
observância das normas pertinentes, o que pode ser comprovado de pronto em uma
ocorrência policial. Em todo caso o aparelho utilizado irregularmente deve ser
apreendido pelos policiais, por constituir a própria materialidade da infração
penal (art. 6°, II, do CPP).
[1] STF
– HC: 93870 SP – SÃO PAULO 0000691-04.2008.0.01.0000, Relator: Min. JOAQUIM
BARBOSA, Data de Julgamento: 20/04/2010, Segunda Turma, Data de Publicação:
DJe-168 10-09-2010.
STF – HC: 115137 PI, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento:
17/12/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-030 DIVULG 12-02-2014
PUBLIC 13-02-2014.
[2] AgRg
no REsp 1748368/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
06/11/2018, DJe 22/11/2018.
[3] TRF-4
– ACR: 50003124620144047017 PR 5000312-46.2014.4.04.7017, Relator: CLÁUDIA
CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 06/03/2017, SÉTIMA TURMA.
[4] TRF-4
– ACR: 50007549620104047002 PR 5000754-96.2010.4.04.7002, Relator: VICTOR LUIZ
DOS SANTOS LAUS, Data de Julgamento: 09/10/2013, OITAVA TURMA.
[5] TRF-3
– ACR: 00007554620074036115 SP 0000755-46.2007.4.03.6115, Relator:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, Data de Julgamento: 01/03/2016, PRIMEIRA
TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/03/2016.
[6] TRF-1
– APR: 00002257420144014103, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO,
Data de Julgamento: 02/02/2021, QUARTA TURMA.
[7] TJ-RS
– RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento:
26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do
dia 27/03/2012.
[8] Art.
23, III e VIII, da Lei n. 12.527/11.
[9] TJ-RS
– RC: 71003575792 RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento:
26/03/2012, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do
dia 27/03/2012.
J. UANDERLEY VAZ
Especialista em Segurança Pública,
Privada, Riscos e Cibersegurança
Operador Radiotelefonista / G
Instrutor de Radiocomunicação para Segurança
Privada – Credenciado pela Polícia Federal
Radioamador Classe “C” (PU2VFP)
CRA-SP Nº 6005660
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